Santo
Tomás assume a ideia de justiça como a firme e constante vontade de dar a cada
um aquilo que é seu. Com pequenos retoques, é uma definição clássica, quase a
mesma de Aristóteles. Mas o Aquinate alude também ao pensamento romano. Assim
glosa a definição do jurista Ulpiano, que se havia feito clássica entre os
Padres: a vontade constante de dar a cada um o que é seu. A novidade de Santo
Tomás não se encontra na definição, dado que segue a tradição desde
Aristóteles, mas na síntese e articulação alcançadas. Importa afirmar que,
mesmo em Santo Tomás, encontramos outras fórmulas de distintas contexturas, p.
ex., quando afirma que a justiça é aquilo mercê do qual se distingue o próprio
do alheio, ou quando ensina ser peculiar da justiça estabelecer a ordem entre
as coisas.
A justiça é a virtude que ordena o homem ao outro e que faz com que
se deva respeitar sempre tal alteridade, porque cada homem é um outro, uma
pessoa. O “outro” abraça também a comunidade. Portanto, a indicação “dar a cada
um o que é seu” contempla, seja o dever do singular a contribuir ao bem comum, seja
o dever da comunidade de dar o que cabe aos singulares cidadãos. Santo Tomás
sublinha três aspectos que se integram na virtude cardeal da justiça: o objeto
da justiça é o direito, ou seja, o que é exigível, o que é devido (unicuique
suum); a justiça faz relação a outro, por isso, o constitutivo essencial dessa
virtude é a alteridade (ninguém é justo consigo mesmo, mas com os outros); a
justiça se fundamenta na igualdade (demanda igualdade entre o que se deve e o
que se recebe).
Cabe observar que Santo Tomás estuda o “direito” antes que a
“justiça”. A razão não é só filológica (justitia deriva de jus), mas filosófico
teológica, pois somente se pode falar de justiça, se existem direitos: se o ato
de justiça consiste em dar a cada um o que é seu, é porque dito ato supõe outro
precedente, pela virtude do qual algo se constitui em propriedade de alguém. Ou
seja, se algo se deve a alguém como seu, o fato mesmo de que tal se lhe deva
não é em si obra da justiça. Pelo que o tratado sobre o direito precede ao
tratado sobre a justiça. Com efeito, porque o ser humano é sujeito de direitos,
estes devem ser respeitados: por isso a justiça trata de dar a cada um o seu
direito. Mas, dado que a justiça demanda respeito aos direitos alheios,
segue-se que faça relação aos outros.
Finalmente, ninguém tem direito a mais do
que se lhe deve. Em consequência, a justiça está baseada na igualdade em dar a
cada um o que é seu por direito.Assim, na visão tomista, a justiça se baseia no
direito e não o direito na justiça. Primeiro estão os direitos; e a conduta que
se harmoniza com os direitos dos outros é que constitui a virtude da justiça.
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